MANIFESTO PELA INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA EM FAVOR DOS RÉUS NAS AÇÕES COLETIVAS AJUIZADAS POR ENTIDADES CIVIS

 

“A igualdade só se mostra possível diante de uma sociedade que embora diversa como a natureza também é, trate cada desigual com desigualdade com o intuito de construir entre eles a equiparação, ou seja, gradativamente pôr fim a linha tênue entre que liga a desigualdade a certas circunstâncias”. Aristóteles.

Estão em julgamento na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, os Embargos de Divergência em Resp nº 1.304.939/RS e Embargos de Divergência em Resp 1987688/PR, acerca da aplicação dos artigos 18 da Lei nº 7.347 (LACP) e 87 da Lei nº 8.078 (Código de Defesa do Consumidor) em favor das partes rés nas Ações Coletivas ajuizadas por entidades civis, legitimadas pelo artigo 82, IV do CDC e 5º, V da LACP.

A controvérsia cinge-se em razão do conflito de entendimento entre as turmas do Tribunal da Cidadania quanto à aplicação do princípio da Simetria em favor das instituições financeiras, ora embargantes, mesmo que o autor da ação coletiva seja uma entidade civil.

No Brasil, a luta de Davi e Golias é travada por meio das Ações Coletivas ajuizadas por organizações da Sociedade Civil contra grandes grupos econômicos que, coincidentemente, são os litigantes habituais[1]. As entidades civis desempenham um papel fundamental para a coletividade, em diversos campos de atuação, seja na defesa do consumidor, na assistência social, na ajuda humanitária, na proteção e promoção ao meio ambiente e à sustentabilidade, entre outras.

Não por outro motivo, o legislador estipulou, no Código de Defesa do Consumidor, o incentivo à criação e ao desenvolvimento de associações representativas, bem como a facilitação da atuação dos hipossuficientes em juízo (arts. 4º, II, b, e 6º, VII e VIII).

Ademais, a intenção do legislador ao estabelecer a isenção de custas e honorários às entidades civis, nos termos do art. 87 do CDC e 18 da LACP, é JUSTAMENTE trazer o acesso à justiça por meio da Ação Coletiva, garantindo tal isenção aos legitimados ativos e não à parte contrária.

Caso haja esta interpretação, inequivocamente, haverá violação ao princípio Constitucional do acesso à justiça, consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, pois o princípio da Simetria preconiza que as partes envolvidas em um litígio judicial devem estar em igualdade de condições, o que não ocorre no embate judicial entre entidades civis e os grandes players do mercado.

Não há dúvidas de que a aplicação do princípio da Simetria a esses litigantes habituais irá gerar desigualdades substanciais no acesso à justiça, limitando a capacidade das partes menos favorecidas de defenderem seus direitos e de toda a coletividade, de forma eficaz no sistema legal, causando o verdadeiro desestímulo dos profissionais que atuam em prol das organizações da sociedade civil.

Sabiamente, o Exmo. Ministro Herman Benjamin, no julgamento do Recurso Especial nº 1.873.776/RS, afirmou que nas ações empreendidas pelas entidades civis, o que se observa não é a Simetria, mas o contrário: “Nessas situações, o que se apresenta, em vez de Simetria, é exatamente o oposto, absoluta assimetria substantiva de condições econômicas, políticas, institucionais e jurídicas, encenação contemporânea, no inóspito campo de batalha do processo civil coletivo, da luta de Davi contra Golias”.

Não se pode olvidar que o microssistema do Processo Coletivo prestigia o princípio da máxima efetividade da tutela coletiva, que tem como fundamento o acesso à justiça, nos exatos termos dos artigos: 18[2] da LACP, artigo 87[3] do CDC e 12[4] da Ação Popular. Neste sentido, a intenção do legislador foi de fato trazer a justiça material aos titulares dos direitos metaindividuais, através de um portador judicial, o qual, por não ser o efetivo titular do direito, não pode ser onerado com os ônus decorrentes de eventual improcedência da demanda, evitando-se, assim, que as consequências dessa derrota funcionem como desestímulo ao seu ajuizamento.[5]

A isenção das custas e dos honorários para as entidades da sociedade civil no âmbito das ações coletivas funciona como instrumento de participação dos cidadãos no sistema de justiça, fortalecendo a democracia e a transparência, dando voz inclusive aos arts 3º e 5º, XVII, que preceituam que todo poder emana do povo e é garantida a liberdade de associação. Isso permite que as OSCs trabalhem em conjunto com o Estado para exercer um controle social sobre as instituições públicas e privadas, promovendo a responsabilização dos danos perpetrados em massa, bem como evitando lesões à sociedade.

Dessa forma, repudiamos veementemente a equiparação das entidades civis aos players do mercado e a impossibilidade de extirpar os honorários sucumbenciais pelos motivos acima elencados, especialmente pela violação ao acesso à justiça e aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, prejudicando a defesa dos direitos da coletividade, diante do desestímulo no ajuizamento das Ações Coletivas pelos patronos das entidades civis que atuam pro bono. Aplicar tal princípio, sem dúvida, é o verdadeiro genocídio do processo coletivo brasileiro, ficando a cargo, exclusivamente, dos entes Públicos, os quais já estão em total colapso, a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Como empenhados representantes da defesa dos direitos da coletividade, os signatários deste manifesto clamam aos Ministros do Tribunal da Cidadania que não haja retrocesso no Processo Coletivo Brasileiro, devendo afastar a aplicação do princípio da Simetria aos réus das ações coletivas, a fim de garantir a continuidade do trabalho prestado pelas organizações da sociedade civil em prol da Coletividade.

O Instituto Defesa Coletiva, organização que está centralizando esta adesão, utilizará os dados somente para esta iniciativa. Além disso, a qualquer momento, em caso de qualquer dúvida, envie mensagem para contato@defesacoletiva.org.br.

[1] Disponível em: https://grandes-litigantes.stg.cloud.cnj.jus.br/ .Acesso em: 11 abr. 24.

[2] LACP – Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.

[3] CDC – Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este código não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais. Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

[4] Ação Popular – Art. 12. A sentença incluirá sempre, na condenação dos réus, o pagamento, ao autor, das custas e demais despesas, judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a ação e comprovadas, bem como o dos honorários de advogado.

[5] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: Lei 7.347/1985 e legislação complementar – 14ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 478.

 

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