Concentração bancária brasileira: uma ferida exposta pela Covid-19

Luiz Fernando Barreto Perez (Diretor Econômico do IDC)

O Brasil é um dos países marcados pela baixa competitividade do sistema bancário, no qual as cinco maiores instituições financeiras (Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa e Santander) detêm 85% do mercado. Entre os países classificados como desenvolvidos, apenas na Holanda se verifica concorrência menor do que a brasileira, já que no país europeu a concentração do mercado chega ao percentual de 89%. Outros países registram índices bem menores, a exemplo dos Estados Unidos, com 43%, e a China, com 37%. Em 2019, os lucros dos cinco maiores bancos brasileiros aumentaram 13%, alcançando o montante de R$ 81,5 bilhões. Esse valor representa o maior lucro consolidado nominal (sem considerar a inflação) já registrado pelas instituições financeiras.

Em pronunciamento recente, o presidente do Banco Central do Brasil (Bacen), Roberto Campos Neto, afirmou que o sistema bancário brasileiro se encontra preparado para enfrentar a pandemia da Covid-19, uma vez que é líquido e está provisionado. O sistema bancário nacional é um dos mais sólidos do mundo e possui um colchão de liquidez maior do que o visto em muitos países. Não obstante, observa-se que nesse momento de crise as instituições financeiras usam a consistência de seus fundos para defender seus lucros, e não para contribuir com a sociedade no enfrentamento das situações excepcionais decorrentes da disseminação do coronavírus.

Conforme declarações do diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Junior, é preciso que o sistema financeiro “em peso” entre na luta contra a pandemia da Covid-19. Fausto sugere que os juros cobrados pelos bancos sejam limitados à taxa Selic, reduzida pelo Banco Central, no final do mês de março, para 3,75% ao ano. No mesmo sentido, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) cobrou responsabilidade social das instituições financeiras, asseverando que deveriam cumprir seu papel essencial de utilidade pública, ajudando na recuperação das empresas afetadas pela crise, o que inclui a cobrança de taxas de juros mais favoráveis para seus clientes.

O parlamentar pretende que o Estado obrigue os bancos a oferecer mais e melhores serviços nesse período de calamidade, colaborando até mesmo com o pagamento do auxílio-emergencial para ajudar o país a se recuperar economicamente. O senador destaca que “os lucros do ano passado são superiores ao gasto estimado pelo governo com o pagamento do auxílio-emergencial de R$ 600 a 30 milhões de brasileiros”. Em sentido contrário, contudo, as associações de diretores de lojistas e as câmaras de comércio, em todo o país, informam que os bancos elevaram em até 70% as taxas de juros nos empréstimos após o início da pandemia. A nefasta concentração bancária brasileira fica mais explícita quando o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, alerta para a retenção pelos bancos dos recursos liberados, quando esses deveriam estar sendo injetados no sistema produtivo.

O ministro admitiu que tais recursos estão “empoçados” e cogitou, como solução, voltar atrás na liberação de R$ 1,2 trilhão provenientes dos compulsórios e colocados à disposição das instituições financeiras. Nessa perspectiva, vê-se que o governo está trabalhando para que o dinheiro chegue diretamente a quem precisa, mas o sistema financeiro tem representado um obstáculo a esse objetivo, de modo que os valores disponibilizados a pessoas carentes estão sendo, em verdade, injetados nas instituições financeiras. Dessa forma, esse momento de crise econômica acabou por evidenciar que muitos dos problemas financeiros enfrentados pelos brasileiros advém da alta concentração bancária iniciada após o Plano Real e consolidada através da política adotada pelo Banco Central. É preciso salientar, todavia, que o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) caracteriza como prática abusiva a elevação, sem justa causa, do preço de produtos ou serviços. Assim, caso o consumidor se depare com valor excessivo de serviços bancários em razão do coronavírus, poderá registrar reclamação nos órgãos de defesa do consumidor.

Ademais, o artigo 6º, inciso V, do diploma consumerista resguarda a possibilidade de “modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”, de modo que as taxas de juros nos contratos bancários poderão ser revistas em face da crise econômica excepcional ocasionada pelos efeitos da Covid-19. O Instituto de Defesa Coletiva (IDC), do qual faço parte, já pediu para figurar como amicus curiae na Ação Popular impetrada na Justiça Federal do DF, que recebeu liminar favorável suspendendo parcelas de créditos consignados por quatro meses. A decisão federal determina também que o Banco Central e a União impeçam as instituições financeiras de distribuir lucros e dividendos a seus acionistas, diretores e membros do conselho, além dos percentuais mínimos obrigatórios, enquanto durar a situação de calamidade pública em decorrência da pandemia da Covid-19.

Portanto, enquanto o governo não adota medidas coercitivas para que os bancos cumpram sua função social, ajudando na recuperação do país frente à crise econômica atualmente enfrentada, estaremos vigilantes. Mas é preciso que os cidadãos também estejam atentos e se valham das normas do Código de Defesa do Consumidor a fim de evitar que as instituições financeiras se beneficiem do desequilíbrio criado pela pandemia.

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